A Sardenha, ilha italiana, é o lugar com o maior número de centenários em todo o mundo.
Resolvi ir até lá e ver de perto como é a vida dos habitantes longevos dessa ilha do Mediterrâneo. Antes de partir, marquei uma entrevista com o professor Luca Deiana, de 73 anos, médico da Universidade de Sassari e referência mundial em estudos sobre a longevidade.
Com 377 cidades, a Sardenha tem uma população de um milhão e 650 mil pessoas. Em 1995, o professor Deiana começou a recolher dados entre os residentes mais velhos do local. “Meu arquivo é enorme e comprovado com documentos”, orgulha-se, dizendo que em outros lugares do mundo com fama de terem mais centenários, caso de Oknawa, no Japão, não há comprovações como as dele. “Nós temos certificado da prefeitura, indicando onde e quando cada um nasceu.” Ao longo de décadas de pesquisa, ele inclui idas às igrejas, onde há certificados de nascimento, batismo, crisma, matrimônio e número de filhos dos membros da comunidade. No dia do nosso encontro, setembro de 2015, ele mantinha atualizado um arquivo com todas as informações de 3.300 centenários vivos. O número tão alto de pessoas nessa faixa-etária inspira o desejo de que mais e mais pessoas cheguem lá. Entre os locais, existe um cumprimento que diz “a kentanos”, cujo significado é “que você chegue aos 100 anos”.
Por que a Sardenha é terra da longevidade? Apesar de tantos anos de estudo, essa pergunta ainda não tem respostas exatas. Alguns fatores, entretanto, são tidos como certos. Entre eles, a formação rochosa e a constituição do terreno de origem vulcânica, com fontes naturais de água altamente alcalinas – com pH superior a 8,0 – e um índice muito baixo de sódio. A observação da longevidade na ilha fez nascer o projeto criado por Deiana, chamado AKeA. São 22 centenários para cada 100 mil habitantes, na Sardenha. No restante do mundo, segundo o professor, a variação vai de sete a 15. Entre os gêneros, a ilha também guarda uma exceção. Ali há empate entre o número de mulheres e homens centenários. Na média ocidental, há um homem de 100 anos de idade ou mais para cada quatro mulheres nessa faixa-etária.
Depois de uma hora e meia de conversa, o professor Luca agrega que a genética desempenha um papel de peso nessa equação, mas não há como assegurar o quanto ela é determinante para uma vida longa. A herança dos genes familiares “programa a longevidade, mas, para funcionar, precisa encontrar um ambiente propício”, explica e afirma que na Sardenha os fatores ambientais ajudam. “A ilha é quente, mas muito ventilada”, detalha. A alimentação é natural, orgânica. Frutas e vegetais, livres de pesticidas e agrotóxicos, alimentam tanto as pessoas, quanto os animais, contribuindo para que a carne também seja mais saudável. Luca e sua equipe estudam a alimentação dos centenários, ao longo do tempo. Mais de 90% dos pesquisados bebem vinho e comem, quase sempre, o queijo de cabra – o pecorino sardo. “No laboratório, encontramos algumas propriedades nesse tipo de queijo que diminuem o colesterol”. No vinho também foram encontradas propriedades que fazem bem às nossas células. Importante dizer que os sardenhos longevos comem e bebem na quantidade certa. Dois ou três copos de vinho no almoço e no jantar, tanto para homens quanto para mulheres, fazem parte do dia a dia. O professor, contudo, esclarece que não devemos beber o vinho só pelo gosto, mas estarmos atentos à composição química da bebida, caso queiramos que ela seja parte do segredo da saúde e da vida longa. O vinho não precisa ser sofisticado, mas é essencial que seja feito de boas uvas, amadurecidas do modo certo. “Colocar coisas a mais não serve”, decreta Deiana, que produz o próprio vinho. Nas refeições, a proteína é representada por carne de menos e queijo de mais. Carne vermelha e doces só em dia de festa.
Além da genética e da dieta equilibrada, laços sociais fazem a diferença. Os idosos são valorizados pela família, vivem entre seus familiares e, por isso, se sentem seguros. A vida em comunidade é ativa e as festas tradicionais continuam vivas no calendário. Os membros da comunidade se sentem parte de algo maior e sentem orgulho de onde vivem. “Há casos em que a família não tem como cuidar de um centenário com algum problema de saúde, por exemplo. Fora do ambiente ao qual estão acostumados, mudando a rotina, logo morrem”, informa o pesquisador. Outras características comuns entre esses centenários: noventa e nove por cento são crentes, ou “têm uma espiritualidade particular”, nas palavras do médico. Não há casos de depressão no grupo e de alguma forma todos se sentem úteis. A maioria é formada por artesãos sem formação universitária, mas com um profundo conhecimento da terra, das plantas e uma cultura tradicional muito rica. “Essas pessoas têm consciência do momento da vida no qual estão – sabem que não vão conhecer o Brasil ou a Austrália, mas estão felizes. O mundo é o lugar onde vivem”. Simples assim.
Fui convidada a ir ao 104º aniversário do senhor Antonio, na cidade chamada San Giovanni Suergiu, que fica perto de Cagliari, capital da Sardenha. Uma cidadezinha pequena que cresceu nos últimos anos sem personalidade arquitetônica. Não é bonita, porém o tratamento delicado com que as pessoas nos recebem faz toda a diferença. Cenário bem parecido, em grande parte das cidades brasileiras do interior. Um dos meus acompanhantes, Pino, um sardenho, professor aposentado, conhecia bem o aniversariante. Entrou na casa, me apresentou rapidamente e pouco se importou com o anfitrião. Tratou de conversar com os filhos. A mais velha tinha 80 anos. Conversou também com os netos. E não é que o Senhor Antonio se ofendeu? Chegou perto do Pino e questionou: “Não vai brindar comigo?” Pino agiu assim de propósito, porque queria me mostrar como o cognitivo dele estava perfeito. Pino ficou entusiasmado frente ao meu desejo de conhecer pessoas centenárias e quis me apresentar, segundo ele, uma pessoa muito especial. Ela morava em Sant’Antioco, uma ilha minúscula que pertence à Sardenha, com cerca de 11 mil habitantes, ligada a San Giovanni Suergiu por uma ponte. Consolata, de 99 anos, prestar a completar 100, é dona de uma vivacidade e uma calma de fazer inveja. Perguntei-lhe o que achava do estresse. Ela me respondeu que não conseguia entender o que significava essa palavra. Expliquei o conceito e a senhora me disse que sempre trabalhou muito e nunca teve tempo “para pensar em bobagens”, definiu a seu modo. Resumindo, senti que ela tinha motivos para viver. Mesmo com a idade avançada, fazia trabalhos manuais, preparava a comida para a família numerosa e tinha uma fé enorme em Deus. Junto com a amiga Filomena, de 97 anos, ela sai de casa e vai à igreja todos os dias. Caminha bem devagar, mas a lucidez espanta. Perguntou-me se o Pelé estava bem. O marido, de 95, é fã dele!
Trecho do Capítulo Foco na Saúde do livro Sou 60